 
      Com    o desenvolvimento da ciência nos últimos anos, as maravilhosas descobertas,    e os inúmeros livros que descrevem o seu significado, a Arqueologia Bíblica    já ficou firmemente estabelecida como nova ciência. Esta se relaciona a todos    os períodos históricos do Velho Testamento, e ajuda na explicação do fundo político,    econômico, social e religioso do povo de Israel. A história de toda literatura    bíblica está ligada, estreitamente, à história social do povo ou dos grupos    sociais nos quais teve origem e se transmitiu ao longo dos séculos.
A    história da escritura conheceu momentos cruciais na Antiguidade para a transmissão    textual correta dos livros então conhecidos. Houve várias transições, evoluindo    a escritura desde tabuletas até o papiro e, posteriormente, para o pergaminho,    originando o sistema de encadernação (do volume ou rolo ao códice ou livro).
O    estudo da história e da crítica textual do Velho Testamento se justifica, principalmente,    pela perda de muitos destes códices, os “originais” dos autores bíblicos. Por    causa da falta destes manuscritos, fica difícil progredir no estudo do seu texto    como no do Novo Testamento, que é representado por uma abundância de antigos    manuscritos. Para a reconstrução do texto mais perfeito do Antigo Testamento,    os estudantes dependem, principalmente, das versões antigas, como a Setenta,    a Aramaica, a Cóptica, a Siríaca e a Latina. Embora feitos de textos antigos,    desde 300 anos antes de Cristo até o quinto século cristão, estas versões têm    que ser usadas com cautela, porque não é sempre possível determinar com certeza    a palavra hebraica que é representada por uma palavra ou frase da versão. Ou    seja, nem sempre é possível se extrair do texto que é tomado como base a palavra    hebraica correta e que corresponderia ao que teria sido dito no “original”.     A questão da tradução bíblica possui um papel preponderante no estudo do próprio    conteúdo dos livros que compõem a Bíblia. A cópia mais velha de todo o Antigo    Testamento em hebraico data, aproximadamente, do ano 950 d.C. . Estava guardada    na cidade de Alepo, na Síria. Durante algum tempo pensou-se que tivesse sido    destruída num incêndio, em 1950. Depois reapareceu e atualmente se conserva    em Jerusalém.
Atualmente,    existem cerca de cinco mil manuscritos, sendo que perto de cinqüenta e três    contêm todo o Novo Testamento. A situação do Novo Testamento é muito melhor    que a de todos os escritores antigos. Da maioria deles temos manuscritos somente    a partir do século IX d.C., e assim mesmo em número bem reduzido. Do Novo Testamento    temos dezessete manuscritos do século IV e vinte e sete do século VI. Temos    ainda citações encontradas em escritores do século II. Isso quer dizer que entre    os originais e as cópias temos a distância de uns 300 anos apenas. Foi encontrado    até um papiro do ano 130 que reproduz uma passagem do evangelho de João. É uma    cópia feita cerca de quarenta anos depois do original do evangelista.
Outro    fator que determina uma análise mais profunda da história dos textos bíblicos    é a presença de variantes, lacunas e erros na cópia dos manuscritos ao longo    dos séculos.
A    recepção de textos por parte da comunidade se processa, à princípio, pelo uso    e, em seguida, pela adoção de uma lista de escritos considerados como referência    de sua fé. Esta lista se chama, em grego, de kanôn (cânon), termo hoje utilizado    para indicar o elenco das Sagradas Escrituras. A partir da canonização, os textos    passam a ser “norma” para a comunidade que o acolhe.
 “Canônicos    são, pois, os livros recebidos na lista dos textos considerados pela comunidade    como “sagrados”, divinamente inspirados e fidedignos para a instrução dos fiéis.    No caso da Bíblia, estas comunidades – judaicas ou cristãs – demonstram divergências    entre si; nem tudo o que uma comunidade considera canônico o será necessariamente    para as outras.” [1]
 Segundo    Júlio Trebolle Barrera[2],    deve-se levar em conta o fato de os grandes códices hebraicos procederem do    período medieval e distarem mais de um milênio dos originais. Os grande códices    do Novo Testamento procedem do século IV e distam, portanto, de seus autógrafos,    pouco mais de um par de séculos.
Muitos    estudiosos, hoje, assumem uma atitude questionadora em relação à Bíblia, convencionalmente    chamada de crítica, opondo-se à comum aceitação do texto bíblico como fonte    de conhecimento religioso. Esta atitude crítica não tem a intenção de negar    o que está na Bíblia, mas sim de conduzir o pesquisador a uma observação mais    acurada de seu conteúdo, das diversas traduções sofridas pelo texto, com o intuito    de analisá-la sob o ponto de vista histórico, e não apenas  religioso.
Júlio    Trebolle Barrera[3]    deixa isso evidente quando diz que
“Para    termos uma idéia da importância do fenômeno da tradução no estudo da Bíblia    basta recordar uma série de fatos: o Antigo Testamento foi traduzido muito cedo    ao aramaico e ao grego e, mais tarde, a todas as línguas do mundo cristão antigo;    livros escritos em grego, como os evangelhos, têm um indubitável fundo semítico;    muitos livros apócrifos chegaram até nós unicamente através de traduções, tendo-se    perdido o original semítico ou grego; a crítica textual utiliza variantes conservadas    nas versões antigas; toda interpretação da Bíblia é sempre coadjuvada por uma    tradução prévia etc.”  
 Esta    crítica é conhecida como crítica textual, cujo objetivo é a reconstituição do    texto no estado original do momento da publicação, ou seja, estuda o processo    de transmissão do texto a partir do momento em que foi escrito ou da 1ª edição.    Muitos especulam que os textos bíblicos que hoje se conhecem são cópias de outros    textos antigos, passados de geração a geração. Assim, a crítica textual visa    determinar qual o texto bíblico mais antigo atestado pela tradição manuscrita.
Outro    exemplo de crítica que se opõe à aceitação completa dos textos bíblicos é chamada    de crítica literária, a qual visa analisar todo o processo transcorrido anteriormente    à formação dos textos bíblicos a fim de verificar sua autoria, bem como o tempo    de sua produção.
Neste    sentido, surge a terceira forma de criticismo bíblico: a crítica histórica,    indagando se os relatos que constam na Bíblia realmente aconteceram conforme    nela descritos, de acordo com o contexto da época.
Justifica-se    o presente trabalho pelo fato de que existe hoje uma preocupação no meio acadêmico    no sentido de aprofundar os estudos referentes aos textos bíblicos. Esta temática,    amplamente pesquisada por estudiosos  americanos e europeus, atualmente    encontra-se em “estado larval” junto ao meio acadêmico brasileiro. Pouca pesquisa    existe voltada para os textos bíblicos dentro do meio acadêmico nacional e sua    análise viria a acrescer os estudos neste sentido, bem como despertar, em outros    pesquisadores, o interesse pela sua temática.
Mas    por quê estudar a Bíblia? Por quê analisar os textos que a compõem? Quais os    textos e passagens que causam maior controvérsia e diferenças de opiniões?
               Toda análise textual tem um objetivo: tentar dirimir questões e incertezas que    povoam o imaginário humano. No caso da Bíblia, por exemplo, isso não é diferente.    Nunca uma obra foi motivo de tantas questões e peculiaridades. Estudar a Bíblia    é pesquisar a própria história do judaísmo e do cristianismo. Estudar a Bíblia    é resgatar o passado e entender o presente. Porém, estudar a Bíblia, sob um    ponto de vista crítico, é questionar este presente e tentar desvendar o passado.    Ou seja, é o processo contrário, onde se parte da realidade que hoje se nos    apresenta para tentar alcançar o contexto figurando no passado.
                Muitas passagens na Bíblia são paralelas ou repetidas. Por exemplo, o texto    de 2 Sm 22 e do Sl 18 representam duas versões diferentes do mesmo poema:      
| 2              Sm 22  | Sl              18 | 
| (v.2) Javé é minha rocha, | Javé é minha rocha, | 
| minha fortaleza e meu libertador, | minha fortaleza e meu libertador, | 
| (v.3) Meu Deus é meu rochedo, | Meu Deus, meu rochedo, | 
| confiarei nele, | confiarei nele/nela | 
| meu escudo e cidadela de minha | meu escudo e cidadela de minha | 
| salvação, | salvação, | 
| meu baluarte | meu baluarte. | 
| e              meu refúgio, meu              salvador que me salva da violência. | ? | 
| Invoco              a Javé | Invoco Javé | 
Diante    das coincidências e variantes destes dois poemas, a crítica textual se pergunta:    um dos textos seria modificação do outro? Derivam os dois de uma mesma fonte?    Qual seria, em tal caso, o texto original? Se esta pressuposição não fosse certa    ou não fosse possível reconstruir o texto original, qual das suas versões é    a mais antiga ou conserva elementos mais antigos, embora podendo conter outros    mais tardios?
As    respostas a estas perguntas possuem enorme importância. Delas dependem os estudos    ulteriores sobre a história literária de qualquer tipo de texto, seja histórico,    legal, profético etc., e sobre a interpretação do seu conteúdo.
As    alterações que podem ocorrer no texto durante o processo de copiagem dos manuscritos    podem ser acidentais ou deliberadas. Neste último, as alterações podem ter o    cunho de corrupção, ou seja, alterar o sentido do texto visando uma vantagem    particular ou comum, limitada a uma comunidade, época ou contexto.
Muitos    manuscritos da Bíblia existem conservados até hoje e isso é admirável, visto    que não havia máquinas capazes de reproduzir os textos, naquele tempo. Cada    manuscrito da antiguidade foi copiado à mão, num trabalho árduo e, à luz da    lógica, passível de erros. Não há como ditar que o conteúdo bíblico seja falso,    mas da mesma forma, não se pode admitir, com convicção e total certeza, a integral    veracidade dos textos.
Estudar    o tema referente às diversas formas de tradução e versão dos textos bíblicos    não é questionar a fé religiosa em seu conteúdo. Antes disso, antes de tentar    provocar no crente a análise daquilo que lê, aos olhos da razão, a análise bíblica    implica num resgate da própria história de um povo e de uma cultura. A cultura    judia e cristã estão baseadas e, supõem-se, têm sua gênese descritas nas páginas    da Bíblia. Mas a história, seja ela cultural ou social, deve e precisa ser sempre    questionada e nunca um determinado fato deve ser dado como findo e pronto. A    história é dinâmica, os eventos ocorrem, mas os vários aspectos e formas de    análise destes fatos é que variam. Dia-a-dia surgem novas evidências sobre fatos    que antes se acreditavam estar amplamente iluminados pela luz da verdade. Descobre-se,    por fim, que a suposta noção que se detinha sobre eles não passava de mera sombra    encobrindo uma verdade maior. Isto ocorre, felizmente, e muito, quando falamos    em História. Sempre se encontrarão novas idéias, visões e perspectivas, analisadas    a partir de detalhes anteriormente escondidos e que não vinham à tona por interesses    políticos, culturais ou sociais escusos.
Assim,    num sentido mais amplo, analisar os textos bíblicos não significa pôr em cheque    a fé cristã ou judia. Antes disso, é tentar entender o que levou estas culturas    a adquirirem a formação que têm hoje, bem como comparar as diferenças culturais    e até sociais de povos baseados na mesma fé. Não devemos questionar a fé de    um povo, mas sim a maneira como esta fé nasceu, cresceu e se formou.
Com    o passar dos séculos, a Bíblia tornou-se o livro mais lido no mundo. Dizer,    hoje, que seu conteúdo é inverossímil ou falso significaria uma tragédia religiosa    para muitos dos seguidores de suas palavras. Mas, como qualquer outra obra humana,    deve e necessita ser analisada sob um ponto de vista crítico, imparcial e livre    de julgamentos pré-concebidos para que se avalie como e o porquê alcançou o    estado que detém hoje.
[1]       KONINGS, Johan. A bíblia nas suas origens e hoje. Petrópolis, RJ: Vozes,      1998.  
 [2]      BARRERA, Júlio Trebolle. A bíblia judaica e a bíblia cristã – introdução à      história da bíblia. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1995.
[3]  BARRERA, Júlio Trebolle. A      bíblia judaica e a bíblia cristã – introdução à história da bíblia. Petrópolis,      Rio de Janeiro: Vozes, 1995.  

 
 
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