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sábado, agosto 20

Critica Textual


Com o desenvolvimento da ciência nos últimos anos, as maravilhosas descobertas, e os inúmeros livros que descrevem o seu significado, a Arqueologia Bíblica já ficou firmemente estabelecida como nova ciência. Esta se relaciona a todos os períodos históricos do Velho Testamento, e ajuda na explicação do fundo político, econômico, social e religioso do povo de Israel. A história de toda literatura bíblica está ligada, estreitamente, à história social do povo ou dos grupos sociais nos quais teve origem e se transmitiu ao longo dos séculos.
A história da escritura conheceu momentos cruciais na Antiguidade para a transmissão textual correta dos livros então conhecidos. Houve várias transições, evoluindo a escritura desde tabuletas até o papiro e, posteriormente, para o pergaminho, originando o sistema de encadernação (do volume ou rolo ao códice ou livro).
O estudo da história e da crítica textual do Velho Testamento se justifica, principalmente, pela perda de muitos destes códices, os “originais” dos autores bíblicos. Por causa da falta destes manuscritos, fica difícil progredir no estudo do seu texto como no do Novo Testamento, que é representado por uma abundância de antigos manuscritos. Para a reconstrução do texto mais perfeito do Antigo Testamento, os estudantes dependem, principalmente, das versões antigas, como a Setenta, a Aramaica, a Cóptica, a Siríaca e a Latina. Embora feitos de textos antigos, desde 300 anos antes de Cristo até o quinto século cristão, estas versões têm que ser usadas com cautela, porque não é sempre possível determinar com certeza a palavra hebraica que é representada por uma palavra ou frase da versão. Ou seja, nem sempre é possível se extrair do texto que é tomado como base a palavra hebraica correta e que corresponderia ao que teria sido dito no “original”.  A questão da tradução bíblica possui um papel preponderante no estudo do próprio conteúdo dos livros que compõem a Bíblia. A cópia mais velha de todo o Antigo Testamento em hebraico data, aproximadamente, do ano 950 d.C. . Estava guardada na cidade de Alepo, na Síria. Durante algum tempo pensou-se que tivesse sido destruída num incêndio, em 1950. Depois reapareceu e atualmente se conserva em Jerusalém.
Atualmente, existem cerca de cinco mil manuscritos, sendo que perto de cinqüenta e três contêm todo o Novo Testamento. A situação do Novo Testamento é muito melhor que a de todos os escritores antigos. Da maioria deles temos manuscritos somente a partir do século IX d.C., e assim mesmo em número bem reduzido. Do Novo Testamento temos dezessete manuscritos do século IV e vinte e sete do século VI. Temos ainda citações encontradas em escritores do século II. Isso quer dizer que entre os originais e as cópias temos a distância de uns 300 anos apenas. Foi encontrado até um papiro do ano 130 que reproduz uma passagem do evangelho de João. É uma cópia feita cerca de quarenta anos depois do original do evangelista.
Outro fator que determina uma análise mais profunda da história dos textos bíblicos é a presença de variantes, lacunas e erros na cópia dos manuscritos ao longo dos séculos.
A recepção de textos por parte da comunidade se processa, à princípio, pelo uso e, em seguida, pela adoção de uma lista de escritos considerados como referência de sua fé. Esta lista se chama, em grego, de kanôn (cânon), termo hoje utilizado para indicar o elenco das Sagradas Escrituras. A partir da canonização, os textos passam a ser “norma” para a comunidade que o acolhe.
 “Canônicos são, pois, os livros recebidos na lista dos textos considerados pela comunidade como “sagrados”, divinamente inspirados e fidedignos para a instrução dos fiéis. No caso da Bíblia, estas comunidades – judaicas ou cristãs – demonstram divergências entre si; nem tudo o que uma comunidade considera canônico o será necessariamente para as outras.” [1]
 Segundo Júlio Trebolle Barrera[2], deve-se levar em conta o fato de os grandes códices hebraicos procederem do período medieval e distarem mais de um milênio dos originais. Os grande códices do Novo Testamento procedem do século IV e distam, portanto, de seus autógrafos, pouco mais de um par de séculos.
Muitos estudiosos, hoje, assumem uma atitude questionadora em relação à Bíblia, convencionalmente chamada de crítica, opondo-se à comum aceitação do texto bíblico como fonte de conhecimento religioso. Esta atitude crítica não tem a intenção de negar o que está na Bíblia, mas sim de conduzir o pesquisador a uma observação mais acurada de seu conteúdo, das diversas traduções sofridas pelo texto, com o intuito de analisá-la sob o ponto de vista histórico, e não apenas  religioso.
Júlio Trebolle Barrera[3] deixa isso evidente quando diz que
“Para termos uma idéia da importância do fenômeno da tradução no estudo da Bíblia basta recordar uma série de fatos: o Antigo Testamento foi traduzido muito cedo ao aramaico e ao grego e, mais tarde, a todas as línguas do mundo cristão antigo; livros escritos em grego, como os evangelhos, têm um indubitável fundo semítico; muitos livros apócrifos chegaram até nós unicamente através de traduções, tendo-se perdido o original semítico ou grego; a crítica textual utiliza variantes conservadas nas versões antigas; toda interpretação da Bíblia é sempre coadjuvada por uma tradução prévia etc.”
 Esta crítica é conhecida como crítica textual, cujo objetivo é a reconstituição do texto no estado original do momento da publicação, ou seja, estuda o processo de transmissão do texto a partir do momento em que foi escrito ou da 1ª edição. Muitos especulam que os textos bíblicos que hoje se conhecem são cópias de outros textos antigos, passados de geração a geração. Assim, a crítica textual visa determinar qual o texto bíblico mais antigo atestado pela tradição manuscrita.
Outro exemplo de crítica que se opõe à aceitação completa dos textos bíblicos é chamada de crítica literária, a qual visa analisar todo o processo transcorrido anteriormente à formação dos textos bíblicos a fim de verificar sua autoria, bem como o tempo de sua produção.
Neste sentido, surge a terceira forma de criticismo bíblico: a crítica histórica, indagando se os relatos que constam na Bíblia realmente aconteceram conforme nela descritos, de acordo com o contexto da época.
Justifica-se o presente trabalho pelo fato de que existe hoje uma preocupação no meio acadêmico no sentido de aprofundar os estudos referentes aos textos bíblicos. Esta temática, amplamente pesquisada por estudiosos  americanos e europeus, atualmente encontra-se em “estado larval” junto ao meio acadêmico brasileiro. Pouca pesquisa existe voltada para os textos bíblicos dentro do meio acadêmico nacional e sua análise viria a acrescer os estudos neste sentido, bem como despertar, em outros pesquisadores, o interesse pela sua temática.
Mas por quê estudar a Bíblia? Por quê analisar os textos que a compõem? Quais os textos e passagens que causam maior controvérsia e diferenças de opiniões?
            Toda análise textual tem um objetivo: tentar dirimir questões e incertezas que povoam o imaginário humano. No caso da Bíblia, por exemplo, isso não é diferente. Nunca uma obra foi motivo de tantas questões e peculiaridades. Estudar a Bíblia é pesquisar a própria história do judaísmo e do cristianismo. Estudar a Bíblia é resgatar o passado e entender o presente. Porém, estudar a Bíblia, sob um ponto de vista crítico, é questionar este presente e tentar desvendar o passado. Ou seja, é o processo contrário, onde se parte da realidade que hoje se nos apresenta para tentar alcançar o contexto figurando no passado.
             Muitas passagens na Bíblia são paralelas ou repetidas. Por exemplo, o texto de 2 Sm 22 e do Sl 18 representam duas versões diferentes do mesmo poema: 
2 Sm 22
Sl 18
(v.2) Javé é minha rocha, Javé é minha rocha,
minha fortaleza e meu libertador, minha fortaleza e meu libertador,
(v.3) Meu Deus é meu rochedo, Meu Deus, meu rochedo,
confiarei nele, confiarei nele/nela
meu escudo e cidadela de minha meu escudo e cidadela de minha
salvação, salvação,
meu baluarte meu baluarte.
e meu refúgio,
meu salvador que me salva da
violência.

?
Invoco a Javé
Invoco Javé
 
Diante das coincidências e variantes destes dois poemas, a crítica textual se pergunta: um dos textos seria modificação do outro? Derivam os dois de uma mesma fonte? Qual seria, em tal caso, o texto original? Se esta pressuposição não fosse certa ou não fosse possível reconstruir o texto original, qual das suas versões é a mais antiga ou conserva elementos mais antigos, embora podendo conter outros mais tardios?
As respostas a estas perguntas possuem enorme importância. Delas dependem os estudos ulteriores sobre a história literária de qualquer tipo de texto, seja histórico, legal, profético etc., e sobre a interpretação do seu conteúdo.
As alterações que podem ocorrer no texto durante o processo de copiagem dos manuscritos podem ser acidentais ou deliberadas. Neste último, as alterações podem ter o cunho de corrupção, ou seja, alterar o sentido do texto visando uma vantagem particular ou comum, limitada a uma comunidade, época ou contexto.
Muitos manuscritos da Bíblia existem conservados até hoje e isso é admirável, visto que não havia máquinas capazes de reproduzir os textos, naquele tempo. Cada manuscrito da antiguidade foi copiado à mão, num trabalho árduo e, à luz da lógica, passível de erros. Não há como ditar que o conteúdo bíblico seja falso, mas da mesma forma, não se pode admitir, com convicção e total certeza, a integral veracidade dos textos.
Estudar o tema referente às diversas formas de tradução e versão dos textos bíblicos não é questionar a fé religiosa em seu conteúdo. Antes disso, antes de tentar provocar no crente a análise daquilo que lê, aos olhos da razão, a análise bíblica implica num resgate da própria história de um povo e de uma cultura. A cultura judia e cristã estão baseadas e, supõem-se, têm sua gênese descritas nas páginas da Bíblia. Mas a história, seja ela cultural ou social, deve e precisa ser sempre questionada e nunca um determinado fato deve ser dado como findo e pronto. A história é dinâmica, os eventos ocorrem, mas os vários aspectos e formas de análise destes fatos é que variam. Dia-a-dia surgem novas evidências sobre fatos que antes se acreditavam estar amplamente iluminados pela luz da verdade. Descobre-se, por fim, que a suposta noção que se detinha sobre eles não passava de mera sombra encobrindo uma verdade maior. Isto ocorre, felizmente, e muito, quando falamos em História. Sempre se encontrarão novas idéias, visões e perspectivas, analisadas a partir de detalhes anteriormente escondidos e que não vinham à tona por interesses políticos, culturais ou sociais escusos.
Assim, num sentido mais amplo, analisar os textos bíblicos não significa pôr em cheque a fé cristã ou judia. Antes disso, é tentar entender o que levou estas culturas a adquirirem a formação que têm hoje, bem como comparar as diferenças culturais e até sociais de povos baseados na mesma fé. Não devemos questionar a fé de um povo, mas sim a maneira como esta fé nasceu, cresceu e se formou.
Com o passar dos séculos, a Bíblia tornou-se o livro mais lido no mundo. Dizer, hoje, que seu conteúdo é inverossímil ou falso significaria uma tragédia religiosa para muitos dos seguidores de suas palavras. Mas, como qualquer outra obra humana, deve e necessita ser analisada sob um ponto de vista crítico, imparcial e livre de julgamentos pré-concebidos para que se avalie como e o porquê alcançou o estado que detém hoje.

[1] KONINGS, Johan. A bíblia nas suas origens e hoje. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
 [2] BARRERA, Júlio Trebolle. A bíblia judaica e a bíblia cristã – introdução à história da bíblia. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1995.
[3] BARRERA, Júlio Trebolle. A bíblia judaica e a bíblia cristã – introdução à história da bíblia. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1995.

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